Por Jean Paul Prates
No atual cenário da política externa norte-americana, sob o governo Trump reeleito, duas medidas recentes vêm provocando perplexidade internacional e colocando à prova a imagem, a credibilidade e a segurança jurídica dos Estados Unidos: a imposição caótica de tarifas comerciais a diversos países e a aplicação, de forma controversa, da Lei Magnitsky ao ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Alexandre de Moraes.
Ambas as ações são preocupantes, cada uma a seu modo. Mas qual delas traz consequências mais graves e duradouras para a confiança global nos Estados Unidos como potência democrática e jurídica?
As tarifas: impacto imediato, caos institucional
O chamado “tarifaço” anunciado por Trump em julho de 2025 atingiu produtos de dezenas de países – do aço da Alemanha aos sucos do Brasil – com sobretaxas que ultrapassam os 40%. O critério? Praticamente nenhum. Não se trata de medidas derivadas de estudos técnicos, análises de dumping ou processos nos fóruns da OMC. Foram decisões unilaterais, muitas vezes motivadas por interesses eleitorais domésticos ou retaliações improvisadas.
Essas tarifas desorganizam as cadeias produtivas globais, desestimulam investimentos de longo prazo e solapam a previsibilidade dos compromissos comerciais americanos. Mesmo os aliados tradicionais dos EUA, como Japão, Reino Unido e Canadá, foram surpreendidos por medidas intempestivas, em descompasso com os marcos multilaterais.
É verdade que o impacto é econômico e imediato, e gera tensões diplomáticas. Mas, paradoxalmente, essa arbitrariedade tarifária já começa a ser interpretada como um traço recorrente e “calculável” da política externa americana sob certas administrações. Os mercados reagem, os países retaliam, mas a institucionalidade jurídica e diplomática americana, ao menos no campo comercial, ainda pode recorrer a correções e contrapesos internos – sejam eles parlamentares, judiciais ou empresariais.
A sanção Magnitsky: erosão simbólica e jurídica
Mais alarmante, sob a perspectiva da integridade institucional, é o uso da Lei Magnitsky Global para sancionar o ministro Alexandre de Moraes. Trata-se de uma legislação criada com objetivos nobres: punir violações graves de direitos humanos e atos de corrupção em nível internacional, responsabilizando os agentes estatais envolvidos.
Ocorre que, no caso de Moraes, a medida adotada pelo governo Trump não apenas distorce o espírito da lei – aplicando-a a um ministro de uma Suprema Corte de país democrático, sem nenhuma comprovação de enriquecimento ilícito ou abusos de poder típicos de regimes autocráticos – como também sinaliza uma subordinação das ferramentas legais americanas aos interesses de grupos políticos estrangeiros, notadamente ligados ao bolsonarismo.
O risco aqui é mais profundo. Ao banalizar e politizar um instrumento jurídico que deveria ser reservado a casos excepcionais de flagrante desrespeito aos direitos humanos, os EUA passam a emitir uma mensagem ambígua ao mundo: suas leis podem ser usadas seletivamente, sem base sólida, para atingir adversários de ocasião.
Essa erosão simbólica mina a confiança de países democráticos no sistema legal norte-americano, abre precedentes para abusos futuros e compromete a legitimidade dos EUA como referência normativa no plano internacional. Afinal, se até mesmo juízes de Cortes Supremas de democracias consolidadas podem ser alvo de sanções sem critério e sem processo, quem estará seguro?
Conclusão: quando o arbítrio jurídico supera o caos comercial
As tarifas unilaterais são, sem dúvida, nocivas à ordem econômica global e revelam a fragilidade dos compromissos multilaterais assumidos pelos EUA. No entanto, o uso desvirtuado da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes tem potencial de dano mais profundo e duradouro.
Enquanto as tarifas podem ser revertidas, renegociadas ou simplesmente contornadas por mudanças de governo ou por pressão econômica, a transformação de um instrumento legal em ferramenta de perseguição política internacional abala a espinha dorsal da confiança entre as nações democráticas.
Mais do que um erro estratégico, a sanção contra Moraes representa uma fratura na credibilidade dos Estados Unidos como guardião de princípios jurídicos universais. E isso, ao contrário das tarifas, não se resolve com contrapartidas ou acordos comerciais – trata-se de uma perda de confiança que pode custar décadas para ser restaurada.