Por Ricardo Noblat
De vez em quando, Lula atravessa a rua para ir pisar na casca de banana que avistou no outro lado. Bolsonaro fez isso muitas vezes nos quatro anos em que desgovernou o Brasil e planejou um golpe.
Lula não. Era elogiado por sua cautela e pela capacidade de desinflar crises. Quando uma crise de qualquer natureza entrava no seu gabinete de trabalho, morria ali ou saía menor.
Ou Lula, hoje, esquece como procedeu no passado, saindo-se bem na maioria das vezes, ou interpreta literalmente o ditado antigo que diz: “Falem mal, mas falem sempre de mim”.
Na era da internet, em que tudo que parece sólido desmancha no ar, o like é o valor supremo. O que se oferece em troca dele importa menos. Bolsonaro aprendeu a lição com o filho Carlos.
Lula, um líder analógico, tenta aprender. Encantado com a própria voz, porém, imagina que basta soá-la para fazer sucesso e no fim ir comemorar com a torcida.
Seu caso nada tem a ver com o de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. O de Biden é a memória falha, um dos fatores que poderá levá-lo a perder a próxima eleição para Trump.
O de Lula é excesso de memória. A dele acumula tanta coisa que sobra pouco espaço para novidades. Daí as derrapagens ao falar de improviso. Todos estamos sujeitos a derrapar.
É diferente quando um líder derrapa como aconteceu, ontem, com Lula. Ele voltou a chamar o Hamas de grupo terrorista e condenou seu ataque a Israel, que deflagrou a guerra atual — acertou em cheio.
Em seguida, acusou Israel de promover um genocídio na Faixa de Gaza, onde já morreram quase 30 mil palestinos, 70% deles mulheres e crianças inocentes – e acertou novamente.
E acertou ainda ao chamar a atenção para a assimetria da guerra: de um lado, o Exército mais poderoso do Oriente Médio, sustentado militarmente pelas maiores potências ocidentais; do outro…
Do outro, nenhum exército, apenas um bando de assaltantes e milhões de pessoas em fuga para lugar algum, na tentativa de salvarem-se de mísseis, bombas e tanques.
Lula poderia ter comparado o genocídio em Gaza com o genocídio de Ruanda, na África, em 1994, o massacre de pessoas dos grupos étnicos tútsis, tuás e de hútus moderados.
Estima-se que por lá morreram entre 500 mil e 1,1 milhão de pessoas, cerca de 70% da população tutsis. Estados Unidos, França e Bélgica assistiram ao massacre calados.
Lula poderia ter comparado o genocídio em Gaza com o dos indígenas brasileiros. Em 1500, ano do descobrimento, eles seriam cerca de 3 milhões de pessoas; em 2010, 817,9 mil.
Ou Lula poderia ter tido o cuidado de falar da guerra como teve no fim de semana, em Munique, na Alemanha, a ministra dos Negócios Estrangeiros do Canadá Mélanie Joly. Ela disse: “É essencial chegar a um acordo que inclua a libertação de reféns e exercer pressão sobre Netanyahu, para distinguir entre Israel e o atual Governo de Israel, para procurar aliados em Israel que também pressionem Netanyahu.”
Mas não. Lula afirmou, ao falar de improviso:
“O que acontece na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”.
A história, infelizmente, está repleta de momentos marcados por genocídios. O Holocausto, que dizimou mais de 6 milhões de judeus, ciganos, poloneses e gays, é o mais citado.
Lula não distinguiu entre Israel e o atual governo de extrema direita de Israel. Ao não fazê-lo, equiparou os judeus aos alemães nazistas que apoiaram o morticínio nas câmaras de gás.
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, sob crescente pressão internacional para que suspenda a guerra, aproveitou para tentar sair do canto do ringue, dizendo:
“O presidente Silva desonrou a memória de 6 milhões de judeus assassinados pelos nazistas. E demonizou o estado judeu como o antissemita mais virulento. Ele deveria ter vergonha de si mesmo”.
Cobrar a Netanyahu que também tenha vergonha de si não vai adiantar, mas deveria ser cobrado.
Em outubro de 2015, já como primeiro-ministro, ele relativizou a culpa de Hitler pelo Holocausto.
Disse que Hitler não queria exterminar os judeus, mas expulsá-los da Europa. E que o pai da “Solução Final” foi o mufti de Jerusalém, Haj Amin Al-Husseini, que não queria acolher judeus na Palestina.