TICO GARRINCHA, DO SERTÃO ÁRDUO ÀS GRANDES EXPOSIÇÕES DO RN E DO BRASIL
RAÍZES EM SÃO MIGUEL E A CONSTRUÇÃO DE UM NOME
Francisco Carlos Lisboa, hoje amplamente reconhecido como Tico Garrincha, tem 46 anos e nasceu em São Miguel, no dia 26 de novembro de 1979, no extremo oeste potiguar, região marcada pela dureza do trabalho rural. O apelido vem do próprio pai, que na infância, ao pedir “um pedaço de galinha”, pronunciava “garrincha”, o pai foi aposentado por ter transtorno mental. Daí o sobrenome afetivo que atravessou gerações. Filho de José de Sousa Franco e Maria Valdeci Lisboa, mulher negra e neta de ex-escravos, e de um pai vaqueiro. Tico cresceu entre a simplicidade doméstica e o peso da vida na roça, sempre acompanhado pela mão do pai ao amanhecer, rumo ao trabalho rural.
O ARTISTA QUE NASCEU JUNTO COM O MENINO
Desde cedo, a arte foi instinto. Tico moldava brinquedos com latas, rascunhava papéis, inventava objetos que nunca tinha visto alguém ensinar. Já adulto, foi morar no Sítio Guardado, no mesmo município, onde viveu tempos de trabalho exaustivo e carestia. Mesmo assim, encontrava tempo para criar esculturas de gesso, telhas pintadas, pequenas invenções vendidas na tentativa de sustentar os três filhos. A vida era árdua. Para conseguir uma furadeira emprestada, limpou sozinho três tarefas de terra de um vizinho.
A necessidade o levou a vender CDs, viajar a São Paulo, 16 vezes, e enfrentar o alcoolismo. Há mais de dez anos, venceu essa batalha. Em 2012 separou-se da mãe dos filhos e regressou ao sertão, retomando o ofício de azulejista enquanto a arte seguia como vocação silenciosa.
VIRADA DEFINITIVA EM NATAL E O ABANDONO DA CONSTRUÇÃO CIVIL


A mudança aconteceria apenas em 2019, quando conheceu, em meio à pandemia, uma senhora de nome Luciene Pessoa, de São Miguel, que vivia em Natal e trabalhava com artesanato, tornando então a sua esposa. Veio visitar e ficou. Ali, finalmente, assumiu sua identidade artística, tirou a carteira de artesão e mergulhou no circuito criativo da capital. Desde então, não voltou à construção civil. Feiras, eventos e encontros culturais abriram portas. O nome “Ticogarrincha” passou a ser reconhecido em qualquer feira de arte e artesanato de Natal. Sua produção, pintura, colagem, escultura em argila, ganhou destaque e público próprio.
EXPOSIÇÕES E TRAJETÓRIA CONSOLIDADA
A carreira se expandiu rapidamente. Tico já expôs no Museu de Arqueologia do IFRN, Fenacce (João Pessoa e Fortaleza), Galeria Newton Navarro (Fundação José Augusto), Feiras no Centro de Convivência da UFRN, mostras e eventos na Árvore de Mirassol, em Natal. Suas obras chegaram a mais de dez países. Em 2022, um colecionador francês o conheceu na feira Brasil Mostra Brasil, visitou seu ateliê em Capim Macio e comprou 30 obras de uma só vez, obrigando-o a pintar às pressas para completar a encomenda. Sua história também alcançou o meio acadêmico, um grupo de estudantes da UFRN apresentou sua trajetória como estudo universitário. No Instagram, @ticogarrincha, reúne mais de cem mil seguidores e realiza grande parte das vendas.
O FUTURO É AGORA”, TECNOLOGIA, PROVOCAÇÃO E FILOSOFIA
Entre suas exposições recentes, destaca-se “O Futuro é Agora”, realizada no Museu de Minérios do IFRN, promovida pelo Núcleo de Arte do Campus Natal-Central. A mostra reuniu obras que transitam entre o expressionismo e o surrealismo, abordando a relação entre humanidade e tecnologia em um futuro distópico. Segundo Tico, suas obras são “subversivas, provocantes, filosóficas” e instigam o público a refletir se a tecnologia serve ao homem ou se o homem já está servindo à tecnologia. A exposição nasceu da admiração da professora Candice Azevedo, que utiliza uma de suas obras em sala de aula, gesto que o artista considera uma de suas maiores vitórias. Hoje vivendo exclusivamente da arte, com o ateliê aberto em Capim Macio e obras espalhadas pelo mundo, Tico Garrincha reafirma todos os dias que a arte pode nascer na roça, atravessar crises, superar vícios e reinventar destinos.

