A corrida foi contra o tempo. Todo minuto ganho foi importante. Chegar ao destino na hora marcada evitou consequências irreversíveis. Para poder crescer normalmente, aprender a engatinhar, ficar de pé e um dia correr como uma criança saudável, cheia de saúde, o pequeno Henry Alisson precisou voar. Isso mesmo. Esta é a história do bebê que contou com a ajuda de um helicóptero para percorrer quase 300 quilômetros em menos de 90 minutos.
Quem revela como tudo isso aconteceu é a auxiliar administrativa Aline Bezerra, que mora com seu esposo, Hugo Allisson, e seus dois filhos em Macaíba, cidade da Grande Natal. Hiago, com 10 anos, é o mais velho. O caçula fará quatro meses dia 19. Henry tem uma doença rara, degenerativa. A Atrofia Muscular Espinhal (AME) interfere na capacidade do corpo de produzir proteínas essenciais para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais mais simples do corpo, como engolir e se mover. Sem conseguir respirar normalmente, a pessoa morre.
Henry nasceu no hospital Santa Catarina, na capital potiguar. Nas primeiras 48 horas não foi diagnosticado nenhum problema com a mãe ou com o bebê. “Recebemos alta e fomos para casa.
Passados os primeiros dias, percebi que meu filho era lento. Ele fazia as coisas bem devagar. Na hora de dormir, na posição que eu colocava, ficava. Não mexia quase nada. Henry não mexia as pernas. Menos de um mês, o levei para o Instituto de Pesquisa Anita Garibaldi, onde a enfermeira fez alguns testes de estímulos. Ele não respondia. A pediatra disse que ele era um bebê hipotônico, ou seja, bem molinho, de choro bem fraquinho. Então começamos a realizar vários outros exames”, relembra a mãe.
Há uma data que Aline também jamais vai esquecer. “Dia 8 de março é o Dia Internacional da Mulher. Foi neste dia que recebemos o diagnóstico positivo para a AME. Foi um choque muito grande”, acrescentou. “Fomos atrás do tratamento e vimos que o SUS oferece dois remédios. O Risdiplam, que é um xarope que precisa tomar todos os dias, e o Spiranza, que é uma injeção aplicada na coluna cervical. A injeção é administrada no Hospital Universitário Onofre Lopes. No início do tratamento são quatro aplicações de impacto. As três primeiras devem ser tomadas de 15 em 15 dias. A quarta, depois de 30 dias. Daí em diante fica tomando a cada quatro meses. Esse é o tratamento pelo SUS. Henry, com menos de dois meses, tomou a primeira. Mas, existe um outro tratamento que é mais rápido e mais eficiente. É uma injeção que é aplicada apenas uma vez na vida, que modifica o DNA e o corpo volta a produzir a proteína que os neurônios responsáveis pelos movimentos do corpo precisam”, explicou Aline.
A mãe de Henry se emociona só de lembrar da dificuldade que foi para conseguir essa injeção. A Zolgensma está na lista dos medicamentos mais caros do mundo. Atualmente, custa aproximadamente R$ 6 milhões, e não é disponibilizado pelo SUS. “Entramos na Justiça. Foi o jeito. E ganhamos. Hoje, essa dose é aplicada em poucos estados. É possível tomar em Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Piauí… e também aplicam em um hospital de Recife, que é o mais perto aqui do Rio Grande do Norte”.
E qual foi a dificuldade? “A medicação que Henry tomou não era para ele. A dose era para outra criança. Só que esse medicamento tem uma restrição. Para tomar, a criança não pode estar doente, e a criança que deveria receber a injeção estava gripada, então a dose foi repassada para o meu filho. A nossa sorte é que a médica da criança que ficou gripada é a mesma que atende o Henry. Daí ela entrou em contato com o Ministério da Saúde e conseguiu autorização para aplicar a injeção no Henry. Soubemos disso por volta das 12h da quinta-feira da semana passada, e precisávamos estar em Recife até as 12h da sexta para realizarmos todo o protocolo para Henry receber a medicação, ou seja, em até 24 horas. Foi muita correria”.
Aline lembra que as horas foram passando e o tempo ficando cada vez mais curto até conseguirem realizar o transporte do Henry até a capital pernambucana. “Ainda na quinta-feira, a equipe médica do HUOL fez contato com o SAMU RN, que chegou a pensar na possibilidade de levarmos o Henry de carro. Mas ele é só um bebezinho, muito pequeno, e as estradas fariam o veículo balançar demais. Se fossemos devagar, perderíamos o prazo. Até que foi feito contato com o CIOPAER, que aceitou a missão. Eu sou muito agradecida ao SAMU RN e ao CIOPAER pela ajuda. Todos se sensibilizaram e lutaram muito para que conseguíssemos fazer esse transporte aéreo”, ressaltou. O Centro Integrado de Operações Aéreas, o CIOPAER, é uma unidade da Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social (SESED). Fazem parte da equipe policiais civis, policiais militares e bombeiros militares. São duas aeronaves. O Potiguar 01, que está em manutenção, e o Potiguar 02, que voltou a voar há poucos dias após apresentar um problema técnico.
Na sexta-feira pela manhã, a bordo do Potiguar 02, mãe e filho, médico e enfermeiro, juntamente com a tripulação da aeronave, decolaram. Antes do meio-dia, sãos e salvos, todos estavam no Hospital Santa Joana Recife. E tudo deu certo.
“Henry é portador da AME tipo 1, a mais grave, mais severa e mais agressiva. Tem crianças que vivem normalmente após tomarem essa injeção, a Zolgensma. Quando é feita com diagnóstico precoce, com acompanhamento de fonoaudiologia, fisioterapias intensivas, com tudo isso, é possível ter uma vida normal. Henry parou de se alimentar pela boca com um mês e quatro dias, quando o quadro respiratório dele se agravou e ele precisou parar de mamar. Hoje, meu filho se alimenta por uma sonda na barriga. Minha esperança, depois dessa medicação, é que ele tenha uma vida longa, que consiga progredir. Se Deus quiser, ele terá uma vida mais normal possível”, disse Aline.