Está distante o próximo pleito, mas as nuvens já se formam sobre o horizonte político. E como dizia o mineiro Magalhães Pinto – ou, segundo outros, Tancredo Neves – política é como as nuvens: você olha, está de um jeito; olha de novo, já mudou. A sabedoria da frase é antiga, mas resiste ao tempo porque continua a explicar, com precisão quase meteorológica, o nosso modo de fazer política.
Por enquanto, é cedo. Os postulantes ainda não se vestiram efetivamente de candidatos, os partidos ainda fingem, enquanto fazem arranjos, neutralidade e os discursos ainda se fazem em voz baixa, como quem ensaia diante do espelho. Mas o que se move nos bastidores já é suficiente para perceber que as próximas eleições terão o velho tempero da disputa entre a força do poder e a vontade de mudança. E, convenhamos, no Brasil, a força do poder sempre começa com quem tem a caneta na mão.
Lula, dizem alguns, chegará ao pleito de 2026 desgastado, enfraquecido, talvez “morto” politicamente. É a esperança declarada de setores da direita, sobretudo no Nordeste, onde o lulismo tem raízes que atravessam o chão seco e chegam ao coração da população. Essa previsão, entretanto, parece mais torcida que análise. Porque quem está no poder, com a máquina nas mãos e o orçamento sob controle, jamais deve ser subestimado.
A caneta, no Brasil, é mais que um instrumento de governo. É um amuleto de sobrevivência política. Ela nomeia, libera, inaugura e distribui. Com ela, um presidente faz amigos, reconcilia inimigos e, se preciso, adia crises. O país ainda é movido por emendas, cargos e obras, e, quando o governo quer, tudo isso tem cor, som e fotografia. Lula, experiente como poucos, sabe disso.
Ao contrário de outros líderes, não precisa inventar carisma, o do petista é natural, sedimentado em décadas de campanha e simbologia popular. Sua imagem, mesmo com arranhões, ainda fala ao sentimento do eleitor simples, especialmente no Nordeste. Ali, onde o Bolsa Família virou sinônimo de amparo e o Estado é o principal motor da economia, a lembrança do governo Lula continua viva. É difícil derrotar um líder que, para boa parte do povo, representa a esperança em pessoa.
Claro que o cenário é instável. A economia não decola, o Congresso resiste e as alianças andam frouxas. Mas o presidente tem um instinto de sobrevivência política raro. Conhece o ritmo das ruas e o peso das alianças regionais. E, sobretudo, sabe que governo é, antes de tudo, gestão de expectativas. Quando o povo acredita que a vida pode melhorar, o governante ainda não perdeu.
O erro dos adversários de Lula talvez seja apostar no esgotamento do lulismo antes da hora. A história brasileira mostra que quem despreza o poder da caneta costuma pagar caro. Basta lembrar as eleições em que governadores dados por mortos renasceram nos meses que antecederam o pleito, embalados por obras, anúncios e uma comunicação afinada. Ou mesmo do Lula de 2005-2006, engolido pelo Mensalão e, mesmo assim, reeleito. No Brasil, a caneta é o maior cabo eleitoral.
Quando o calendário eleitoral apertar e as obras começarem a ganhar placas e fitas de inauguração, será outro o clima. A máquina federal tem braços longos e o povo tem memória curta. A máquina não discute probabilidades de derrota; ela celebra promessas. E cada promessa, se bem contada, vale mais que um discurso inflamado da oposição.
Por isso, dizer hoje que Lula chegará ao pleito do próximo ano derrotado é, no mínimo, precipitado. O presidente pode até sangrar, mas continua dono da caneta, e enquanto for assim, é cedo para decretar sua morte eleitoral. O poder parece cambalear, e de repente ressurge, mais forte e mais articulado.
A política brasileira, meus três ou quatro leitores, continua sendo o que sempre foi, a saber, uma dança entre nuvens e canetas. As nuvens mudam, mas quem escreve o enredo ainda é quem segura a tinta do poder.
