Por Raimundo Mendes Alves
Ex-policial, advogado criminalista e vereador
Introdução
O Brasil vive, há mais de quatro décadas, sob o predomínio de uma concepção jurídico-penal denominada garantismo, influenciada principalmente pela doutrina de Luigi Ferrajoli, autor da obra Direito e Razão, na qual defende que o Direito Penal deve ser mínimo, com rígidas garantias processuais ao réu e controle estrito do poder punitivo estatal.
Contudo, o que se observa no Brasil é a adoção parcial e muitas vezes distorcida desse modelo, gerando um desequilíbrio sistêmico entre a proteção da sociedade e os direitos do infrator.
Nesse cenário, práticas como a audiência de custódia, a “saidinha” de presos, as restrições ao uso da força policial em áreas de conflitos e o afastamento progressivo da noção de punição eficaz vêm se consolidando como pilares de uma política criminal ineficiente, cujos resultados são alarmantes.
A Realidade dos Números
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), corroborados por estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU), revelam uma situação de tragédia silenciosa:
- O Brasil representa 2,7% da população mundial, mas responde por 14% dos homicídios globais;
- Somos responsáveis por cerca de 25% dos roubos de celulares no mundo;
- Entre as 50 cidades mais violentas do mundo, 17 estão localizadas no Brasil (Ranking do Conselho Cidadão para a Segurança Pública do México – 2024);
- A taxa de homicídios no Brasil é de 23,4 por 100 mil habitantes, enquanto a média mundial está em torno de 6,1.
Esses números escancaram que o país, embora em tese democrático e pacificado, convive diariamente com os efeitos de um modelo penal disfuncional, que valoriza excessivamente os direitos do criminoso e negligencia os da vítima e da sociedade.
A Crítica ao Garantismo Mal Interpretado
Não se trata aqui de negar direitos fundamentais ou defender o arbítrio estatal. O que se propõe é uma revisão crítica e honesta da forma como o garantismo foi implementado no Brasil.
O direito penal não pode se reduzir a uma engenharia abstrata voltada à proteção exclusiva do acusado — é necessário equilíbrio entre liberdade e ordem, entre garantias individuais e segurança coletiva.
Como bem advertiu o ministro Alexandre de Moraes, em voto proferido na ADI 5.766 (relativa à execução antecipada da pena), “O Direito Penal não pode ser inócuo diante da criminalidade violenta. O garantismo não pode se transformar em impunidade”.
Além disso, o artigo 144 da Constituição Federal estabelece que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, deixando claro que o Estado não pode abdicar de seu dever de proteger a sociedade por temor ideológico ou academicismo utópico.
Desigualdade Social e Criminalidade: Um Mito Repetido
A defesa de que a criminalidade decorre exclusivamente da desigualdade social é um reducionismo perigoso.
Países com índices maiores de pobreza, como Índia (4,6 homicídios por 100 mil habitantes), possuem taxas significativamente menores de homicídios do que o Brasil.
No início do século XX, mesmo com comunidades carentes no Rio de Janeiro, os índices de violência eram comparáveis aos da Europa. O que mudou? A ausência de controle estatal efetivo, a desestruturação familiar e a banalização da impunidade.
Educação e ética são, de fato, fatores de transformação. Como mostram diversos relatos, pessoas em extrema pobreza que encontram e devolvem valores expressivos o fazem com base na educação moral familiar, provando que a integridade não está condicionada apenas à renda, mas à formação de caráte
Propostas para um Sistema Penal Racional e Eficiente
1. Sistema Integrado de Segurança Pública
Criação de centros unificados de inteligência, com atuação conjunta das polícias federal, civil, militar e guardas municipais, mediante protocolo de interoperabilidade, permitindo resposta rápida e estratégica ao crime organizado.
2. Ressocialização Estruturada
Transformação do sistema prisional em centro de ressocialização efetiva, com:
- Avaliação por comissões multidisciplinares;
- Ensino técnico e profissionalizante obrigatório;
- Trabalho interno remunerado com vínculo externo pré-estabelecido;
- Apoio pós-egresso com políticas de incentivo à contratação.
3. Revisão Legislativa
- Fim da “saidinha” para condenados por crimes graves;
- Alteração da Lei de Execução Penal para endurecimento da progressão de regime em crimes hediondos;
- Revisão do abuso na audiência de custódia quando utilizada para libertar sem critério técnico ou indícios de violência policial inexistente.
4. Valorização da Família e da Educação Ética
Investimento em programas de fortalecimento familiar, campanhas de paternidade responsável, incentivo à disciplina escolar e resgate dos valores éticos, inclusive nos currículos escolares.
Conclusão: A Coragem de Mudar
Como ex-policial, advogado criminalista e legislador, sei que mudar de opinião não é fraqueza — é maturidade. Persistir num modelo penal falido, que abandona a sociedade à própria sorte, é covardia institucional. O garantismo aplicado de forma desequilibrada não garantiu justiça — garantiu impunidade.
É preciso ter coragem para rever práticas e ideologias. A responsabilidade não é apenas dos governantes, mas também dos professores de direito, dos juízes, promotores e parlamentares. Todos devem perguntar a si mesmos: “Eu tenho culpa nisso?”
Entendo que, se nada for feito agora, o preço será cobrado adiante — e talvez seja você, ou alguém que ama, a próxima vítima. Nessa hora, não adiantará discursos nem justificativas: o sistema terá falhado, e a omissão será imperdoável.
Ainda há tempo. Mas o tempo está acabando.