O caso de Maria Fernanda, a menina de 12 anos encontrada morta nesta segunda-feira (4), na Grande Natal, após ficar desaparecida por quatro dias, traz de volta o alerta para a prevenção de violência contra crianças e adolescentes. Apesar das investigações não estarem concluídas, não sendo possível saber o que, de fato, aconteceu com a estudante, é preciso que pais e responsáveis de menores fiquem atentos a sinais de risco e que saibam como orientá-los para que se mantenham seguros.
A psicóloga clínica de crianças e adolescentes, Eveline Ribeiro, afirma que explicações e aconselhamentos sobre segurança são pertinentes desde os primeiros anos de vida. “Na medida em que a criança vai se desenvolvendo, ela deve ser orientada de forma clara sobre os riscos que podem prejudicar sua saúde e sua vida. Estou falando de todos os riscos; sobre prevenção de acidentes domésticos, sobre uma boa alimentação, sobre o uso exagerado de eletrônicos, sobre a importância da atividade física para o desenvolvimento do corpo. Estou falando de modo mais amplo porque as orientações desse tipo devem fazer parte da relação de cuidado que os pais têm com os seus filhos. Sempre”, pontua.
Além disso, a especialista ressalta que mesmo orientações sobre autoproteção podem começar de maneira natural desde a fase de bebê. “A orientação sobre autoproteção em uma situação de violência sexual, não surge isoladamente, ela deve surgir desde os primeiros anos de vida, quando um bebê ainda é um bebê, inclusive. Quando a gente começar a fazer aquela brincadeira ‘onde é que está a cabeça? Onde é que está o joelho?’, isso já pode ser considerado dentro de uma formação para proteção de situações de violência sexual”, explica
“O sentido disso é que a criança possa conhecer seu próprio corpo e que ela possa ir entendendo que esse corpo é valioso, que precisa ser protegido, que tem algumas partes dele que a gente não expõe, que são privadas, que não é todo mundo que pode ter acesso e, aos poucos, na hora do banho, durante a rotina, essas informações, naturalmente, vão sendo construídas nesse sentido de cuidado de si”, completa a Eveline.
A psicóloga destaca que explicações mais detalhadas devem ser dadas à medida em que a criança for apresentando questionamentos, que são naturais em uma relação em que há confiança. “Na medida em que a criança vai crescendo, começa a trazer dúvidas sobre as diferenças entre o corpo do menino e da menina, questionamentos relacionados às experiências desse corpo, como ‘por que a gente não beija todo mundo na boca?’, ‘como os bebês nascem?’. A ideia é que você não estimule, é que espere. Quando uma criança faz uma pergunta, o ideal é que você diga ‘me conte o que você acha sobre isso. Você já ouviu falar sobre isso em algum lugar?’. E aí você vai construindo essa conversa a partir do que ela traz, também. Então, não tem uma orientação específica sobre a idade certa, pois isso faz parte dessa relação de confiança, de cuidado”, afirma.
Eveline ressalta, ainda, que a resistência da sociedade brasileira quanto ao tema da sexualidade dificulta a existência dessas orientações dentro do ambiente familiar. “A educação para esse aspecto é desafiadora por vários motivos. Um deles é como o tema da sexualidade é envolto de muito preconceito. Custa para as pessoas, de modo geral, terem uma compreensão mais ampla sobre a sexualidade humana, que envolve autoconhecimento sobre o próprio corpo, sobre os limites do acesso a esse corpo, sobre autoproteção. São temas que antecedem e muito a noção de genialidade e prazer sexual”, diz. “Outro desafio é o fato das violações sexuais serem cometidas na maioria das vezes por pessoas próximas, com quem a criança tem um vínculo de afeto, infelizmente”.
De acordo com a psicóloga, as fases de infância e adolescência requerem uma postura vigilante dos responsáveis. “A criança ou adolescente – em uma condição de vulnerabilidade própria dessa fase do desenvolvimento – fica muito suscetível a serem vítimas dos abusadores. Nesses casos, orientações sobre com quem ela pode conversar sobre uma experiência desconfortável e a vigilância deve ser a postura dos principais cuidadores”, pontua.
Ela frisa, ainda, que criança ou o adolescente que está sofrendo violência silenciosa no contexto da sexualidade pode apresentar sinais como: mudança repentina no comportamento, alterações de apetite ou no padrão do sono, enurese noturna (voltar a fazer xixi na cama), queda no rendimento escolar, choro frequente sem motivação aparente, irritabilidade e recusa de encontrar ou estar na presença de algum adulto específico.
“Outros sinais podem estar relacionados com a experiência sexual precoce como a erotização ou o conhecimento aprofundado sobre situações e comportamentos sexuais, termos ou cenas que a criança não deveria ter acesso sem que tenha vivido aquela experiência ou presenciado um estímulo inadequado”, destaca.
Abordando diretamente o caso da menina Maria Fernanda, Eveline pontua aspectos importantes no contexto social que precisam ser observados e a importância de defender a educação sexual nas escolas. “Nessa situação específica de Maria Fernanda, há outros elementos também. Embora a violência sexual esteja absolutamente presente em todos os extratos sociais, não esteja restrita a uma situação de vulnerabilidade econômica, nos contextos em que as famílias têm menos conhecimentos formais, têm menos tempo para o relacionamento com os filhos, os filhos acabam ficando sob os cuidados de muitas outras pessoas. Então, os riscos aumentam nesse sentido. Por isso que tem muita discussão sobre a importância da educação sexual na escola, que a compreensão é bem deturpada, mas a ideia é de fortalecer essa rede de cuidados como está previsto no Estatuto”.