Por Anderson Barbosa
Não precisa ser igual a todo mundo. Pode ser diferente. Pode ser especial. O importante é estar junto, participar, ter as mesmas chances de dar certo. Deu muito certo para Ray Ferreira. Hoje, com 57 anos, ela já ganhou quase tudo que disputou na natação e no atletismo. O desafio agora são as travessias em mar aberto. É fera. Também tá dando muito certo para Alan Xavier, de 30 anos. Estudante de Tecnologia da Informação, ele acaba de se tornar bolsista em um programa tecnológico bastante promissor. É top. Ray é PcD, sigla que define pessoas com deficiências ou limitações físicas. Allan tem TDAH, ou transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. E daí? E daí que eles têm algo em comum: por meio do Sesc e do Senac, instituições vinculadas à Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Norte, a Fecomércio RN, ambos são muito vencedores.
Antes de contar as histórias da Ray e do Alan, é preciso enaltecer uma trajetória de 75 anos. Ao longo de todo este tempo — além de representar aqueles que mais geram emprego e renda, que movimentam a economia e que fazem mais fortes os supermercados, lojas, restaurantes, farmácias, padarias, entre outros estabelecimentos — o que mais a Fecomércio RN tem feito pelo comércio do estado, pelo povo potiguar e pelo Rio Grande do Norte é incluir, acolher, dar oportunidades, treinar, capacitar, compartilhar ensinamentos e proporcionar aprendizado. É assim com o Serviço Social do Comércio, o Sesc, e é assim com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, o Senac.
Transformação de vidas
“Ao longo de 75 anos, a federação consolidou-se como um dos principais pilares para o desenvolvimento econômico do Rio Grande do Norte. Nossa atuação vai além da defesa dos interesses do setor produtivo: ela abrange uma visão estratégica que envolve crescimento sustentável, ambiente de negócios competitivo e equilibrado. Além disso, através do Sesc e do Senac – que são nossos braços sociais e educacionais – atuamos diretamente na transformação de vidas por meio da capacitação profissional, educação, cultura, saúde, esportes e lazer, proporcionando mais qualidade de vida para a população. Essa combinação entre o fortalecimento do setor produtivo e o desenvolvimento social tem sido a base do nosso trabalho”, enfatizou Marcelo Queiroz, presidente da Fecomércio RN.
“Atuamos diretamente na transformação de vidas”
Foco na inovação e adaptação
E para o futuro, o que é preciso fazer para a Fecomércio RN percorrer mais 75 anos junto ao comércio potiguar? A resposta, quem dá é o próprio presidente. “Entendemos que é essencial mantermos um foco constante na inovação e na adaptação às transformações do mercado. Isso significa estar cada vez mais próximos dos empresários, oferecendo produtos e serviços que respondam às suas necessidades, com uma gestão ágil e baseada em dados. Nossa atuação também precisa continuar sendo pautada pela inclusão, pela sustentabilidade e pelo uso de tecnologias que simplifiquem processos e tornem nossa gestão ainda mais eficiente e digital.
“É essencial mantermos um foco constante”
Ambiente acessível e inclusivo
“Falar da Fecomércio RN também é falar de inclusão. Inclusão é um dos pilares do trabalho do Sistema Fecomércio RN, especialmente através das iniciativas do Senac e do Sesc. Entendemos que, para promover o desenvolvimento do comércio, é fundamental construir um ambiente acessível e inclusivo. O Senac, por exemplo, tem um forte compromisso com a inclusão por meio de um programa para alunos, que busca mitigar barreiras de aprendizagem para pessoas com deficiência e outros grupos que enfrentam desafios no processo educacional. Já o Sesc trabalha em várias frentes. Educação, cultura e lazer estão sempre contemplados, seja com acessibilidade, seja com ações específicas para PCDs. Esses esforços mostram que inclusão, para o Sistema Fecomércio RN, é um conceito integrado em todas as suas frentes de trabalho”, acrescentou Marcelo Queiroz.
“Falar da Fecomércio RN também é falar de inclusão”
Perten.Ser
Lançado pelo Senac em 2022, o programa Perten.Ser visa criar um ambiente educacional acessível e inclusivo. Foi feito não apenas para estudantes com deficiência, mas para qualquer pessoa que precise de suporte diferenciado para aprender e se desenvolver. São quatro os pilares que sustentam o programa: “Eu Sou”, “Eu Convivo”, “Eu Respeito” e “Eu Incluo”.
Em quase três anos, o Perten.Ser já formou mais de 2.100 alunos com deficiência, e seu impacto tem sido reconhecido por importantes organizações, como o Ministério da Educação (MEC) e a Microsoft.
Diversidade celebrada, respeito e reconhecimento
Mandela Araújo é uma das psicólogas educacionais do Senac. As palavras delas são um exemplo do que significa inclusão. É mais do que pertencer. Para ela, é celebrar a diversidade. É respeitar. É reconhecer a força do ser humano. “O Perten.Ser surgiu com a ideia de tornar o Senac um lugar muito mais inclusivo, acolhedor e verdadeiramente acessível para todas as pessoas. Como psicóloga educacional, eu sei o quanto que é importante a gente dar vez e voz àquelas pessoas que muitas vezes ficam à margem, ficam invisíveis para a sociedade. E, em relação às diferenças oportunizadas pelas pessoas com deficiência, é um direito delas e um dever nosso garantir que suas necessidades — sejam elas de adaptações pedagógicas ou de acessibilidade — sejam atendidas em sua totalidade. O Perten.Ser é o programa que viabiliza que isso aconteça dentro do Senac. Nossa missão diária é educar para o trabalho, mas com um olhar sensível e atento, garantindo que ninguém seja deixado para trás. Estou certa de que ao cuidar dos detalhes, estamos contribuindo ativamente para uma sociedade mais justa e econômica. Viver e fazer inclusão é mais que uma meta institucional, é pertencer a um mundo onde a diversidade é celebrada, o respeito é regra e a força do ser humano é reconhecida em todas as suas formas”, enfatizou Mandela Araúlo.
“Estamos contribuindo ativamente para uma sociedade mais justa e econômica”
Exemplo de compromisso
O Sesc RN possui os mesmos valores e atua na inclusão por meio de suas escolas, que atendem mais de 180 crianças com deficiência em várias unidades do estado. Essas escolas contam com infraestrutura adaptada, salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e profissionais especializados, além de projetos contra o bullying que também promovem o sentimento de pertencimento a todos, por igual, sem distinção.
Na área da cultura, o Sesc RN tem ampliado o acesso às suas atividades com recursos de acessibilidade, como intérpretes de Libras em projetos como Ação Sesc Literatura, Invasão Geek e Palco Giratório. O grupo “Movidos Dança”, formado por pessoas com deficiência, é outro exemplo desse compromisso, tendo circulado o Brasil com o espetáculo “Nuvem de Pássaros”.
Em eventos de lazer, como o “Circuito Sesc de Corridas”, também são oferecidas categorias específicas para pessoas com deficiência, incentivando a participação ativa em todas as esferas.
Sesc Cidadão
O Sesc Cidadão (projeto social que atua com crianças no contraturno escolar) também atende crianças com deficiência. O projeto desenvolve atividades culturais e esportivas com as crianças, além de aulas de conhecimentos, onde com frequência é abordado o tema da inclusão.
Além disso, o Mesa Brasil (projeto de distribuição de alimentos, que leva produtos de empresas doadoras a entidades sociais cadastradas) atende atualmente sete instituições que atuam especificamente para PCDs em Mossoró e outras doze em Natal.
Ray: “Seguir lutando e continuar triunfando”
Ray Ferreira tem uma deficiência física congênita no pé esquerdo. Não precisa de muletas, mas caminha com dificuldade. Correr é uma missão quase impossível. Assim, foi na água que ela se encontrou. A natação sempre fez parte de sua vida. Na piscina ela se sente leve e livre de todos os preconceitos e bullying. “Sempre acreditei muito em mim mesma. Minha mãe sempre disse que eu poderia fazer o que eu que cesse. É o que eu faço todos os dias”, disse ela.
“Sempre acreditei muito em mim mesma”
Por quase 30 anos, no entanto, nadar foi apenas diversão para Ray. Profissionalmente, ela só começou a competir aos 29 anos. “Eu já estava no mercado de trabalho, na universidade, cursando Letras na UFRN, quando meu professor Alexandre, de natação do Clube Assen, em Natal, disse que eu daria uma boa atleta paralímpica. Então, ele me encaminhou para o paradesporto. Isso foi em 1985. Desde então sempre fui campeã nas provas 100 metros livres, 100 metros costas e 100 metros peito”, acrescentou.
Entre os principais títulos de Ray, destaque para as conquistas na natação, em 1997, quando foi pentacampeã brasileira e campeã sul-americana nos 100 metros costas e 50 metros livre. Em 2004 ela mudou radicalmente e passou para o atletismo. Fez lançamento de disco, lançamento de dardo e arremesso de peso e salto em altura e salto em distância, sendo já no mesmo ano campeã nas três modalidades no Circuito Loterias Caixa Brasil Paralímpico. Em 2012, a potiguar atingiu a marca de 22,37m no disco e se tornou recordista brasileira.
Depois que se formou em Letras, Ray fez concurso público e abraçou a carreira de professora na rede municipal de ensino. Também se formou em Direito. “Tirar a OAB é um projeto futuro. Estou me preparando para isso”, revelou.
Enquanto não começa a advogar, Ray segue uma rotina puxada de treinos. Ela utiliza a academia e a piscina do Sesc de Cidade Alta, em Natal, onde se prepara para os novos desafios. “Quero ser campeã também nadando na praia. Hoje eu disputo natação em mar aberto, faço longas travessias. E eu só consigo competir em alto nível graças à estrutura que o Sesc oferece. Os equipamentos e a piscina são excelentes. Os professores também são ótimos. Agradeço muito ao Sesc pelos projetos e por poder proporcionar que pessoas com deficiência, assim como eu, possam seguir lutando e continuar triunfando”, celebrou.
Ray encerrou sua carreira em agosto do ano passado, como Pentacampeã Brasileira nos quatro estilos na natação. Ela ainda é recordista brasileira no lançamento de disco desde de 2012. Foi 3º lugar no Mundial de Atletismo, no Rio de Janeiro em 2005. “Tenho muito orgulho da minha história no paradesporto brasileiro, pois sempre treinei para fazer o meu melhor”, disse Ray.
“Uma das lições, que aprendi nesta trajetória, foi que o esporte é por demais necessário na vida de todos os cidadãos, pois ele nos faz bem em diversos aspectos da nossa vida, nos deixando saudável e dispostos para termos uma melhor qualidade de vida”, concluiu.
Alan: “O Senac é o meu foco principal”
Alan Fernando Xavier tem mais três irmãos. Na família dele o TDAH é genético. O transtorno ainda o atrapalha. Na vida social é o que mais lhe deixa desconfortável. “Atrapalha porque, às vezes, eu não tenho certos filtros. Falo sem pensar. No meio de uma conversa acabo viajando. Mas, quando estou no Senac, fazendo o que eu gosto, é diferente. No laboratório cada um fica na sua máquina, cada um pega o seu canto, fica ali sem ruídos externos e eu não perco o foco. Às vezes o que me faz perder o foco é muito estímulo externo, como barulho. E como lá é cada um no seu canto, normalmente é em silêncio, então eu consigo focar tranquilo. O Senac hoje é o meu foco principal”, explicou.
“Faz mais ou menos uns cinco anos que sou aluno do Senac. Antes eu fazia o curso de Ciência e Tecnologia na UFRN. Aí estourou a pandemia da covid. Naquele momento eu já estava meio desgostoso com o curso. Foi quando surgiu a oportunidade de estudar no Senac. Então entrei para cursar Tecnologia da Informação. Em quase dois anos conclui o curso. Gostei tanto que passei a fazer Tecnologia de Sistema. Daí apareceu a oportunidade de desenvolver um sistema para o Senac, que me selecionou para ser bolsista e me deu a chance de conhecer o Senac Labs.
Até chegar lá, foram quatro cursos gratuitos. Hoje a minha paixão é a Tecnologia da Informação. Não penso em fazer outra coisa. Quero agradecer aos meus professores e aos meus instrutores pela paciência que eles tiveram e continuam tendo comigo. Sem eles, sem o Senac, não sei o que seria de mim”, admitiu.
“Sem o Senac, não sei o que seria de mim”
E quando terminar a bolsa, o que o Alan pensa em fazer? “Bem, tem duas situações. Existe a oportunidade de eu continuar com a bolsa e também existe a oportunidade de eu começar a estagiar aqui mesmo, no Senac. Hoje, estar aqui, é tudo na minha vida”, finalizou.