“Eu nem sabia o que ela fazia exatamente no Ministério da Saúde e, muito menos, que ela cuidava de saúde indígena. Estou surpreso”, afirmou o deputado federal João Maia (PL), ao falar sobre o fato da potiguar Midya Hemilly Gurgel de Souza Targino ter ocupado um dos cargos estratégicos para a promoção à saúde indígena dentro do Ministério da Saúde, nos últimos seis meses da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A odontóloga, que foi diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena, foi casada com um sobrinho da esposa do parlamentar, Shirley Targino, prefeita de Messais Targino.
“Indiquei Midya para ser superintendente regional do Ministério da Saúde. Foi o Ministério que a convidou para Brasília, não foi uma indicação minha”, disse João Maia, que confirmou apenas a indicação da odontóloga ao órgão no Estado, ao ser questionado pela reportagem do Diário do RN sobre Midya e se ele sabia que a odontóloga não possui experiência em saúde indígena.
Entre os dias 7 e 10 de dezembro passado, Midya esteve presente no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI), no norte do país. No detalhamento da viagem, ela declarou que foi para “apoiar a coordenação do DSEI na promoção de estudo diagnóstico e proposição de ações destinadas à resolução de questões atinentes à saúde dos povos indígenas”. Com uma remuneração mensal de pouco mais de R$ 13,6 mil, ela recebeu quase R$ 7,5 mil em diárias operacionais para a viagem, que deveria, conforme ela mesma disse, ter feito um diagnóstico da situação no local.
Esta só ficou conhecida nacionalmente neste último fim de semana, quando o presidente Lula (PT) viajou para Roraima para acompanhar os trabalhos dos ministérios da Saúde e dos Povos Indígenas na Terra Indígena Yanomami, após a Saúde ter declarado emergência de saúde pública por falta de assistência sanitária, na última sexta-feira (20). Foi justamente ao longo do período em que Midya esteve no cargo que transcorreram as negligências. Calcula-se que, em quatro anos, 570 crianças da comunidade morreram por desnutrição, além de outras doenças evitáveis.
“Mais que uma crise humanitária, o que vi em Roraima foi um genocídio. Um crime premeditado contra os Yanomami, cometido por um governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro”, afirmou Lula, ainda no local.
Em novembro passado, a Polícia Federal desvendou esquema de desvio de medicamentos que deveriam ser enviados para a aldeia.As imagens dos yanomamis famintos, morrendo por causa do descaso da gestão Bolsonaro com a população indígena, correu o mundo e, segundo o jornalista Jamil Chade, do UOL, o caso será levado ao Tribunal Penal Internacional de Aia, na Holanda.
O cargo ocupado por Mydia comandava o setor responsável pela condução das atividades de atenção integral à saúde dos povos indígenas, por meio da atenção básica, da educação em saúde e da articulação interfederativa da Secretaria Especial da Saúde Indígena. No entanto, no currículo da odontóloga, não há nenhuma especialização ou experiência profissional em relação à saúde indígena.
O documento, ainda disponível no site do Ministério da Saúde, revela que Midya foi secretária de Saúde de Messias Targino e que, por indicação de João Maia, foi nomeada em 2020 superintendente estadual do Ministério da Saúde no RN.
“Diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena, na Secretaria Especial de Saúde Indígena, visando promover a proteção, a promoção e a recuperação da saúde desses povos de maneira participativa e diferenciada, respeitando-se as especificidades epidemiológicas e socioculturais dos povos indígenas e articulando saberes no âmbito da atenção”, traz.
DIÁRIAS DE ALTO VALOR
Nos meses de outubro e novembro, Midya Targino fez duas viagens internacionais pelo Ministério da Saúde. Entre os dias 3 e 7 de outubro, ela esteve nos Estados Unidos, onde visitou a sede da empresa Silivhere Technologies Inc, em Charlottesville (Virgínia) e sua fábrica de produção, em Saxonburg (Pennsylvania). Segundo ela, o objetivo foi “buscar outras possibilidades de desinfecção de água para atender a população indígena”. Ela recebeu mais de R$ 27,2 mil em diárias.
Já entre os dias 11 e 18 de novembro, Midya integrou a delegação brasileira que viajou para Genebra (Suíça), onde, conforme ela justificou, “proferiu intervenção em nome do Ministério da Saúde na avaliação do relatório brasileiro no âmbito do mecanismo de revisão periódica universal do Conselho de Direitos Humanos”. Para esta viagem, ela recebeu pouco mais de R$ 31 mil em diárias.