“Canção do Tamoio” (quase uma oração de otimismo e força); “Canção do Exílio” (quase um hino – e estando, de fato, algumas de suas expressões no Hino Nacional), são exemplos das muitas páginas antológicas de nosso Gonçalves Dias, que conhecemos desde remotíssimos tempos escolares. Já se chegou a dizer que a “Canção do Exílio” é o maior fenômeno de intertextualidade da cultura brasileira, tal o número de produções sequenciais que gerou. Estes – aos quais acrescento “I – Juca-Pirama” (“o que será morto”, considerado a expressão máxima da poesia indianista) e “O Canto do Piaga” -, todos belos poemas, tratando de povo e terra pátria, têm a natureza do romantismo social, segmento da escola romântica tão ao gosto dos italianos e também explorado por outro grande poeta nacional, o baiano Castro Alves – com as cores da política e do protesto.
Com efeito, duas vertentes jorram da sensibilidade estética de Gonçalves Dias. Ambas de águas límpidas, mas torrenciais: uma, épica, social, nacional, indianista e naturalista, que exalta e defende o povo originário – os Índios – e a natureza exuberante do Brasil tropical, da qual os mencionados poemas são exemplos; outra, amorosa, íntima, sentimental, individualista.
Pérolas desse romantismo intimista, lírico, autobiográfico e emocional (cujo subjetivismo constitui a sua característica emblemática, por vezes chegando a definir o cerne da própria escola) são, sem dúvidas, os seus poemas “Olhos verdes”, “Não me deixes” e “Ainda uma vez – adeus!”. Este último, especialmente, que traduz episódio dos mais intensos de sua vida – quando o poeta sentiu a mão pesada e dura do áspero destino, como diria José Albano -, chega a resultado lírico dos mais sublimes. Ao final desta resenha, transcrevo nota do poeta e tradutor Onestaldo de Penafort, redigida sobre o assunto, a pedido de Manuel Bandeira.
Nasceu Antônio Gonçalves Dias em 10 de agosto de 1823, no sítio Boa Vista, Município de Caxias, Maranhão, e faleceu em 3 de novembro de 1864 (aos 41 anos), tragicamente, quando retornava da Europa, no naufrágio do navio Ville de Boulogne, na costa daquele Estado (mais precisamente no baixio dos Atins, em frente à Ponta da Boa Vista, perto de Tutóia). Foi, aliás, o único a morrer: esquecido em seu leito, agonizante, com a tuberculose em fase avançada, afogou-se.
Era filho de pai branco e mãe índia ou cafusa (mestiça de africano, negro, com índio). Seu pai, o comerciante português João Manuel Gonçalves Dias, se refugiara com a amante, Vicência Ferreira, no sítio onde nasceu o poeta, para escapar a perseguições políticas de nacionalistas radicais. Anos depois, havendo-lhe morrido o pai, o poeta contou com o apoio da madrasta, que o mandou estudar em Portugal. Ali, na histórica Universidade de Coimbra, concluiu seu curso de Direito, retornando ao Brasil em 1845. Ainda em Coimbra escreveu os “Primeiros Cantos”, parte dos “Segundos Cantos” e, em 1843, aquele que viria a ser o seu poema mais famoso e mais reproduzido e conhecido em nosso País: a “Canção do Exílio”.
De volta ao Brasil, exerceu diversos cargos públicos, desde professor de Latim e História do Brasil no renomado Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, oficial da Secretaria de Negócios Estrangeiros (o que lhe deu novas oportunidades de viagens ao exterior) a membro da Comissão Científica de Exploração.
Produziu extensa obra literária.
Além de poeta, teatrólogo, romancista, etnógrafo, historiador, advogado, professor, exerceu o jornalismo.
Estudioso do idioma Tupi, escreveu um “Dicionário da Língua Tupi”, impresso em Leipzig, Alemanha, pela editora Brockhaus, em 1858.
Como poeta, publicou: “Primeiros Cantos” (1846), “Segundos Cantos” (1848), “Últimos Cantos” (1851), “Os Timbiras” (1857), “Cantos” (1857). Após sua morte, são publicados os poemas então inéditos de “Lira Vária”, em 1869. À exceção de “Os Timbiras” e “Cantos”, editadas em Leipzig, as demais o foram no Rio de Janeiro.