Deputado federal reeleito usou dinheiro do Fundo Eleitoral para gastos e terá que devolver R$35 mil aos cofres públicos
Por Alessandra Bernardo
A Justiça Eleitoral constatou o superfaturamento de preços na prestação de contas de campanha do deputado federal reeleito João Maia (PL). Conforme a comissão de análise de contas do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE/RN), o parlamentar alugou uma caminhonete Toyota SW4 com o valor superfaturado em quase 300% usando recursos públicos do Fundo Eleitoral, e terá que restituir o Tesouro Nacional em R$ 35 mil. Foram encontradas inconsistências ainda referentes à locação de outros dois veículos de luxo – um Jeep Compass e uma Ford Ranger –, abastecimentos de combustíveis e a doação de serviços de administração, feito pela esposa de João Maia e prefeita do município de Messias Targino, Shirley Targino.
Conforme o parecer técnico conclusivo da Comissão, assinado por Maria da Guia de Araújo, referente à locação da caminhonete, João Maia informou ter pago o valor da diária contratada de R$ 1.148,00. O TRE/RN pediu que fossem apresentados elementos que comprovem que o valor pago era compatível com o preço médio de mercado, o que não aconteceu, já que João Maia apresentou apenas suas necessidades em alugar um veículo 4×4 para suas viagens de campanha pelo interior do Estado.
“Diante do exagerado valor contratado para diária do veículo e objetivando suprir a ausência de orçamento que justificasse a disparidade no montante despendido (R$ 54 mil), foram realizadas pesquisas por esta Comissão em sites de locação para veículos de porte similar ao locado pelo candidato, tendo chegado às seguintes constatações: o valor total para locação mensal do veículo Toyota SW4 SRX é a partir de R$ 8.063, sendo a diária cerca de R$ 270. Já nos sites de buscas de orçamento, a média da diária para a categoria de caminhonete de porte equivalente ao do SW4 é de R$ 408”, traz o documento.
Mesmo usando a maior média encontrada – R$ 408 – foi verificado que o valor contratado por João Maia – R$ 1.148 – equivale a 281% acima da média de mercado. “Desse modo, a diferença de R$ 740 – R$ 1.148 – R$ 408 – multiplicada por 47 diárias totaliza o montante de R$ 34.780. Considerando que a despesa foi paga utilizando recursos públicos oriundos do Fundo Eleitoral, esta Comissão entende que tal diferença caracteriza indício de irregularidade na contratação, sendo passível de devolução ao erário”, confirma o parecer.
AUSÊNCIA DE FORÇA DE TRABALHO
Outra inconsistência apresentada pela prestação de contas de João Maia é referente à contratação, no valor total de cerca de R$ 90 mil, das empresas FJ Serviços e Comércio Eireli e a JVC Construções Eireli. Isso porque foram identificadas, pelos TRE/RN, que as duas apresentam falta de capacidade operacional para prestar os serviços ou materiais contratados ou, ainda, omissão de contratação de empregados. À primeira empresa – que possui apenas um empregado, conforme a Justiça Eleitoral -, o deputado pagou, com dinheiro do contribuinte, mais de R$ 43,7 mil e, à segunda – com zero empregado -, cerca de R$ 45,9 mil.
Diante dos fatos, o caso deve ser remetido ao Ministério Público Eleitoral (MPE) para as providências cabíveis. “Após a diligência, o prestador de contas juntou em que as empresas listadas apresentam boa estrutura, razão pela qual deveriam possuir um número razoável de empregados, informação não comprovada na manifestação. Considerando que as ocorrências são indícios de irregularidades, sugere-se que os argumentos/documentos apresentados sejam encaminhados ao MPE”, orienta.
INCONSISTÊNCIAS COM VEÍCULOS LOCADOS
A Comissão de Análise de Contas Eleitorais do TRE/RN constatou inconsistências também nas despesas com locação dos veículos Jeep Compass, locado à empresa LXC Construções e a Ford Ranger, locada à B K Serviços e Locações Eireli. Consta, no Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV) do primeiro o nome de proprietário como sendo o de Ericson Cesar da Silva, já no CRLV do segundo veículo, consta como sendo propriedade de Maurício Vieira de Souza.
Em sua defesa, o deputado federal reeleito afirmou que a divergência existente entre os proprietários dos veículos e as empresas locadoras decorria das sublocações efetuadas. No entanto, para a Comissão, constatou-se que não foram firmados contratos em nome dos donos dos veículos que comprovassem as efetivas sublocações, nem foram juntados comprovantes de pagamento para estes. O caso também será remetido ao Ministério Público Eleitoral.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA COM ABASTECIMENTOS
“Foi solicitada a apresentação dos cupons fiscais correspondentes às aquisições dos combustíveis adquiridos pelo posto JVC Comercial Ltda e relatório semanal indicando o valor e quantidade de combustível consumido dos veículos a serviço da campanha eleitoral. Após a diligência, o prestador juntou apenas os relatórios semanais de abastecimentos, com exceção dos relativos à maior quantidade de combustível: 527,33 litros de óleo diesel no período de 05 a 11/09/2022, bem como os cupons fiscais correspondentes a todos os abastecimentos”, informou a Comissão do TRE/RN.
Diante disso, o órgão entendeu como parcialmente esclarecida a inconsistência, por ausência de documentação complementar, já que, apesar das despesas estarem comprovadas por notas fiscais, estas traziam o valor global dos abastecimentos, que seriam detalhados individualmente por meio dos cupons fiscais, demonstrando com transparência os dados pormenorizados relativos a cada abastecimento, tipo, veículo, quantidade, dia e hora.
FALTA DE RECIBO ELEITORAL
A Comissão constatou ainda a ausência do recibo eleitoral referente à doação de serviços de administrador financeiro prestados por Francisca Shirley Ferreira Targino, no valor de R$ 2,3 mil. Segundo informou João Maia ao TRE/RN, o erro teria sido cometido pela contabilidade da campanha, que deixou de emitir o respectivo recibo eleitoral por ter confundido a situação fática do caso concreto com a hipótese do art. 7º, § 6º, III, da Resolução TSE nº 23.607/2019.
“Constata-se que de fato o recibo eleitoral não foi emitido para a doação estimável em epígrafe, em descumprimento ao art. 7º, inciso I, da Resolução TSE nº 23.607/2019, tendo sido apresentado apenas o instrumento de doação de serviços para fins de comprovação. Desse modo, persiste a falha inicialmente reportada na diligência”, traz o documento oficial.