Há quem diga que o Brasil vive de paixões políticas, mas o que temos é um vício pela repetição.
Estamos condenados a andar em círculos, como carro de boi emperrado na lama. Só dois bois o puxam: Lula e Bolsonaro. E não é de hoje. Parece que o país se acostumou a esse duelo de sombras, mas a persistência dele tem ares de condenação histórica. A cada eleição, os nomes mudam ao redor, os partidos se reorganizam como podem, mas o enredo continua sendo o mesmo: lulismo contra bolsonarismo, e nada mais.
O curioso é que há duas forças empenhadas em borrar qualquer distinção entre uma direita republicana e uma extrema direita. A primeira é, naturalmente, a própria extrema direita, que precisa convencer o eleitor conservador de que sua única alternativa real é o projeto iliberal. E, convenhamos, Jair Bolsonaro, com sua linguagem de confronto e seus exércitos digitais, soube vender a ideia de que só ele poderia falar pelo campo da direita. A segunda força, embora em outro registro, são os setores mais radicais da esquerda, que também preferem não distinguir, pois quanto mais homogêneo for o inimigo, mais fácil é combatê-lo.
Essa simetria explica parte do nosso estreitamento político. O lulismo, como descreveu André Singer, não é apenas petismo, mas uma forma de mediação popular, uma espécie de pacto tácito com os pobres, oferecendo inclusão via consumo e programas sociais, sem ruptura com as elites econômicas. Lula tornou-se, para milhões, o fiador dessa ascensão possível. Da mesma forma, Bolsonaro consolidou-se como o líder absoluto da direita. Iliberal, sim, mas líder. Quem se aventura a disputar espaço com ele acaba tragado pelo vórtice; nem os liberais de terno e gravata, nem os conservadores mais brandos resistem à força centrípeta do bolsonarismo.
O resultado desse choque binário é o empobrecimento do debate público. A política brasileira, que deveria abrigar múltiplas vozes, resume-se a um duelo de torcida. Como em clássico de futebol, o que vale é ser contra o outro. O lulista vota para impedir o avanço do bolsonarismo, o bolsonarista vota para frear o lulismo. Entre um e outro, o campo se estreita, como se a vida nacional coubesse apenas nesse pêndulo entre o consumo regulado pelo Estado e a retórica da pátria sitiada.
Não se trata de negar o peso real dessas lideranças. Lula é, sem dúvida, o maior líder popular do país, herdeiro de uma longa trajetória de mediação e compromisso com as classes subalternas.
Bolsonaro, por sua vez, catalisou ressentimentos difusos, oferecendo a imagem do outsider disposto a afrontar o sistema. Mas é sintomático que, em 2025, ainda estejamos reféns de dois projetos que, apesar das diferenças, se retroalimentam. O bolsonarismo sobrevive como reação ao lulismo; o lulismo se reforça na resistência ao bolsonarismo.
O problema é que o Brasil, com sua complexidade, não cabe em duelo tão estreito. O país pede reformas estruturais, exige imaginação política, mas recebe, no lugar, narrativas de confronto. É como se tivéssemos trocado a pluralidade por um espetáculo de espelhos, em que um reflete a sombra do outro. A esquerda moderada se dissolve no carisma de Lula, e a direita liberal, com seu vocabulário tecnocrático, some diante do barulho de Bolsonaro. E assim seguimos, embalados pela ilusão de que estamos diante de uma escolha absoluta, quando, na verdade, somos apenas espectadores de uma peça já ensaiada. Há quem aplauda, há quem vá ao estádio só para xingar o adversário, mas, no fundo, todos sabem o desfecho. O Brasil, um país de contradições monumentais, parece condenado a viver no estreito corredor entre o lulismo e o bolsonarismo. E, enquanto isso, a vida real – com seus impostos, suas desigualdades e suas urgências – segue esperando, ansiosa e angustiada, na plateia.
*Professor, pesquisador e escritor