Refletir sobre a gestão de resíduos sólidos em tempos de mudanças climáticas significa, antes de tudo, reconhecer a encruzilhada civilizatória em que nos encontramos. A sociedade de consumo, ao mesmo tempo em que ampliou o acesso a bens e serviços, levou à humanidade um passivo ambiental de dimensões alarmantes. Nesse cenário, os resíduos não são apenas sobras descartáveis: constituem testemunhos materiais de um modelo econômico insustentável, baseado na lógica linear de produzir, usar e descartar.
Não é exagero afirmar que a crise climática e a ausência ou deficiência da gestão dos resíduos sólidos dialogam intimamente. A decomposição inadequada de resíduos orgânicos em lixões e aterros precários libera metano, um gás de efeito estufa cerca de 28 a 34 vezes com potencial de aquecimento superior ao dióxido de carbono. A incineração sem tecnologias de controle adequado, por sua vez, lança poluentes tóxicos e reforça a lógica do descarte fácil. Assim, o problema da gestão de resíduos transcende o campo da limpeza urbana: trata-se de uma questão de justiça ambiental (distribuição justa e equitativa dos benefícios e impactos ambientais entre todos os grupos sociais), saúde ambiental sustentável (universalidade, integralidade e equidade) e, sobretudo, de responsabilidade compartilhada (dever de todos de preservar os recursos naturais hoje para assegurar qualidade de vida às futuras gerações).
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei 12.305/2010, representou um marco regulatório importante para o Brasil, ao reconhecer a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e ao preconizar a hierarquia da “não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos”. Mas sua aplicabilidade exige vontade política, planejamento, inovação tecnológica, investimentos, fiscalização, penalidades e, principalmente, educação ambiental contínua e consistente, capaz de reconfigurar práticas sociais enraizadas, mediante a mudanças de hábitos, comportamentos, estilo de vida e padrões de consumo. É preciso destacar, no entanto, que a solução não reside em simples medidas paliativas. Reciclar, ainda que imprescindível, não basta quando não se questiona a estrutura e atual modelo de produção e consumo, que gera indiscutivelmente volumes expressivos de resíduos sólidos nas diversas atividades do mundo moderno.
O desafio, portanto, é técnico, ético e estrutural. Persistir em modelos de gestão que apenas “retiram o lixo da vista” é perpetuar uma ilusão perigosa. A sustentabilidade, por outro lado, requer uma visão sistêmica: políticas públicas integradas, incentivo a tecnologias limpas, valorização da cadeia da reciclagem, apoio e respeito ao trabalho dos coletores de materiais recicláveis e estímulo ao consumo consciente. Mais do que uma pauta técnica, trata-se de um imperativo civilizatório.
Em tempos de emergência climática, a gestão de resíduos sólidos não pode ser tratada como tema periférico. É urgente que governos, empresas e cidadãos assumam suas corresponsabilidades diante do futuro comum. O desafio é imenso, mas a inércia custará muito mais caro do que trilhar a busca de um novo modelo civilizatório, mais humano, mais justo e mais colaborativo. Apostar em perspectivas sustentáveis não é apenas uma mera opção: é condição necessária e urgente para que possamos habitar nosso planeta com respeito e dignidade, garantindo o equilíbrio entre natureza, desenvolvimento, continuidade e evolução da vida, em todas as suas dimensões.
(*) Engenheiro Civil e Sanitarista, Dr.
IFRN / DIAREN / NESB
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