Por Emanuel Lacerda
Queda da democracia, censura, opressão, tortura, exílio! Essas são características marcantes de um período sombrio da história do Brasil. Em 2024, o País relembra os 60 anos do Golpe Militar de 1964, que deu início ao período popularmente conhecido como “Ditadura Militar”. A data representa um período de profundo impacto na vida política, social e econômica dos brasileiros.
De acordo com o professor de história Gil Silva, a implantação da ditadura no Brasil ocorreu em um contexto de crise política e econômica. “É importante frisarmos o cenário internacional da Guerra Fria e a polarização entre os Estados Unidos e a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ou seja, o capitalismo versus o socialismo”.
Gil destacou ainda que partidos políticos nacionais como a União Democrática Nacional (UDN) e setores empresariais, com o apoio midiático dos EUA, conseguiram convencer a população de que o presidente da época, João Goulart (PTB), pretendia estabelecer no país uma “República Sindicalista”. Fato que, segundo o historiador, não existe comprovação documental e histórica. “O estopim para a tomada militar foi quando João Goulart anunciou as Reformas de Base, um conjunto de propostas para tentar promover a justiça social e reverter a crise pela qual o Brasil passava. No entanto, falar em justiça social no período era interpretado como uma ameaça comunista. Jango, como era chamado, comunicou a população no comício da Central do Brasil no Rio de Janeiro, as diretrizes das reformas de base, como as reformas tributária e agrária. Foi o ápice da crise do governo”, relembra o professor.
“Setores empresariais, junto com a sociedade civil e segmentos eclesiásticos organizaram a ‘Marcha da família com Deus e pela liberdade’, em 1964, pedindo uma intervenção militar no Brasil contra a suposta “ameaça comunista”. Era isso que os militares precisavam para aplicar o golpe: o apoio da população; e assim foi feito! ”, frisou Gil.
Ditadura Militar no RN
De acordo com o historiador Gil Silva, o RN colaborou com o golpe militar de 1964. “As principais lideranças políticas não só apoiaram, mas articularam a ação no Estado. Com exceção do prefeito Djalma Maranhão, que assumiu a postura de resistência e seguia uma linha de governo democrático de esquerda. Não obstante, o então prefeito foi preso por se recusar a renunciar ao cargo”, explicou.
Legado
De acordo com o professor Gil, o legado deixado pelo governo militar foi uma crise econômica sem precedentes, várias violações dos direitos humanos e de direitos políticos.
Símbolo da resistência no Estado o potiguar Emanuel Bezerra dos Santos é lembrado pela forte militância em prol da democracia. Natural do município de Caiçara do Norte (RN), mudou-se para Natal em 1961, para estudar. Ele residia na Casa do Estudante, onde foi presidente, assim como presidiu o DCE da UFRN, na época da faculdade.
Emanuel Bezerra foi torturado e assassinado pela ditadura militar em 04 de setembro de 1973, nas dependências do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI COD), em São Paulo, conforme relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014).
O potiguar foi enterrado como indigente no cemitério de Campo Grande e, em 1992, teve os restos mortais exumados para sepultamento no dia 14 de julho, do mesmo ano, em sua terra natal. No ano de 2019, a Governadora Fátima Bezerra (PT), anunciou um projeto de lei dando o nome de Emmanuel Bezerra dos Santos à Casa do Estudante como forma de prestar homenagem.
O potiguar foi enterrado como indigente no cemitério de Campo Grande e, em 1992, teve os restos mortais exumados para sepultamento no dia 14 de julho, do mesmo ano, em sua terra natal. No ano de 2019, a Governadora Fátima Bezerra (PT), anunciou um projeto de lei dando o nome de Emmanuel Bezerra dos Santos à Casa do Estudante como forma de prestar homenagem.
Filho relembra sofrimento do pai: “banheira seca, levando caldo, choque e tapas”
Outro potiguar que sentiu na pele as dores da ditadura militar foi o ex-deputado estadual Floriano Bezerra de Araújo, preso e torturado por ser considerado defensor das Ligas Camponesas, da Reforma Agrária e da mudança socioeconômica e política social do Brasil.
Floriano Bezerra nasceu no Vale do Açu. Ele foi um dos pioneiros na criação dos primeiros sindicatos de trabalhadores rurais e das Ligas Camponesas no RN, tornando-se um ativista no movimento camponês nordestino.
Eleito deputado estadual três vezes, Floriano ficou conhecido como o “deputado cabeleira”, sendo uma voz forte em defesa dos trabalhadores. Enfrentou o poder do latifúndio rural e da burguesia urbana, sem medo. Por sua coragem e posicionamento político, Floriano foi cassado pela ditadura militar em 1964, passando por prisões e torturas, além da perda dos direitos políticos por 20 anos.
Inicialmente, o deputado foi preso em Natal, no 16RI, onde ficou cerca de um mês. Logo depois, foi transferido para Fernando de Noronha, juntamente com o ex-prefeito de Natal, Djalma Maranhão, o então deputado Aldo Tinoco e Luiz Maranhão. Foram mais 28 dias preso. Entre idas e vindas de prisões em Macau e Natal, Floriano passou nove meses preso.
AS LEMBRANÇAS
Hoje com 96 anos, Floriano é pai de nove filhos e carrega na bagagem da vida um legado de resistência e perseverança na luta pelos direitos dos trabalhadores e pela democracia no Brasil. O Diário do RN conversou com o advogado Renan Ribeiro de Araújo, filho de Floriano, que relembrou momentos difíceis vividos pela família durante os anos de chumbo.
“Durante a ditadura não foi fácil para nós, filhos de Floriano, nem para os seus irmãos, nem para os seus pais, porque vovô Venâncio Zacarias de Araújo e vovô José Ribeiro da Costa também foram presos e recolhidos à prisão. A pressão foi grande na família. Foi como se tivessem dinamitado uma bomba e obrigado todos a se separar, não se juntar, não se unir, porque eram perseguidos todos pelo regime autoritário”, desabafou Renan.
Sobre tortura, Renan afirmou que era tanto física como psicologicamente. “Ele chegou a ser torturado sim! Dentre alguns casos, lembro-me dele contando da banheira seca, levando caldo, choque e tapas. Ele foi vítima de torturas psicológicas também, sendo ameaçado de ser fuzilado a qualquer momento” desabafou.
“Me lembro que nós éramos preservados pelos nossos pais sobre as prisões e torturas, nossos familiares não nos contavam muito o que estava acontecendo. Mas o fato é que com a chegada de papai, a alegria na nossa casa era muito grande, porque afinal a liberdade e a vida para um pai de família é tudo. Então, quando papai retornava desses períodos éramos muito mais felizes”, comentou.
Na escola, Renan sofria com comentários maldosos sobre a índole do pai. “Eu tive alguns desentendimentos com amigos de escola, eles me acusavam de ser filho de terrorista. Eu me recordo que eu estava em casa chorando porque um amigo tinha me acusado de ser filho de comunista e aquilo me deixou muito triste”.
Comissão da verdade
A Comissão Nacional da Verdade (2012–2014), foi um colegiado instituído pelo Governo Federal, na gestão da presidenta Dilma Rousseff (PT), para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. As violações aconteceram no Brasil e no exterior, praticadas por “agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do Estado” brasileiro. De acordo com a Comissão da Verdade, 434 pessoas foram mortas pelo regime ou desapareceram. Somente 33 corpos foram localizados.
Girão: “1964 foi um movimento a favor dos princípios cristãos em defesa da Pátria e das famílias”
O deputado federal General Girão (PL) também foi procurado pela reportagem do Diário do RN para falar de suas memórias e percepções sobre o regime militar. “A Contrarrevolução de 1964 foi um movimento a favor dos princípios cristãos em defesa da Pátria e das famílias”, afirma o deputado.
Nascido em 1955, Girão era criança naquele 31 de março, mas conta que procurou “saber dos fatos históricos mesmo antes de eu ter nascido. Afinal de contas, todos temos o direito de buscar a verdade sobre os fatos. Minha família sofreu sim mudanças na época dos fatos”
Girão também destaca: “Talvez o que mais tenha me marcado foi o fato de que as ações políticas e a Justiça naquela época foram feitas de forma firme e segura para botar o Brasil livre da sombra do comunismo que pairava sobre a América do Sul. ”
O parlamentar ainda acrescenta que o tempo dos militares no comando do poder executivo foi demasiado longo. “Acredito que o Presidente Castelo Branco deveria ter passado o poder de volta aos civis logo após ter sido debelada a tentativa da implantação de um regime comunista”.